quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Cinza

Os dias andava sem cor, as pessoas andavam sem graça, viver já virara rotina, ela nem percebia isso. Ele não percebia nada, os dias resumiram-se a movimentos repetidos involuntariamente. Eles eram involuntários, peças de uma mesma máquina. Eram seis horas da manhã, ela se levantou, com a calça xadrez velha e a blusa grande, amassada e suja, do Gang Green, foi ainda dormindo para a cozinha, não tinha café pronto, nem pó. Seis e doze, ele já estava pronto, estagiário de direito, teria uma audiência numa cidade ali perto, o dinheiro que ganharia mal pagaria a gasolina, estava faminto, mas só tinha pão velho em casa, todos os dias de manhã arrependia-se de ter saído da casa da mãe. Ela entrou no elevador minúsuculo e velho, fixava o olhar nas grades. A porta do elevador se abriu, ele entrou e viu uma menina, com calça xadrez desbotada e blusa do... GANG GREEN?! Ele olhou pra ela, a porta ainda aberta. Percebendo a demora, ela levantou o olhar, um cara parado a porta do elevador, por que não entrava? Ela acordou de uma vez, olhou para como estava vestida, a blusa ridiculamente grande e suja, ele olhava para sua blusa, sentiu o rosto queimando e cruzou os braços, tentando escondê-la. Ele percebeu o que estava fazendo, o rosto também começara a queimar, entrou, ainda pasmo, Gang Green?! Não trocaram uma palavra no elevador, ele fitava os pés, ela virara a cabeça, tudo o que desejava era poder voltar pro seu apartamento e trocar de roupa, mas apertar o botão para o oitavo andar, agora, parecia ainda mais ridiculo. Ele percebeu o quanto idiota estava sendo, precisava fazer alguma coisa. O elevador chegou. Ele apressou-se e segurou a porta para ela sair. Elegiou a camisa. Ela se assustou, perguntou se ele conhecia a banda. Ele riu desconcertado, era sua banda preferida. Ela só conseguiu sussurar um "legal" e dizer "até mais, estou indo na padaria". Ele também ia, estava faminto, mas não conseguiu dizer que iria acompanhá-la. Ele disse apenas um "até", pegou o carro, estava morrendo de fome, mas tinha a porra da audiência. Ela foi pra padaria, não se lembrava de mais nada, só do cara do elevador. Ela bebia o café distraidamente, derramou um pouco na blusa, um pingo de cor coloriu seu dia. Ele cantava "Skate to hell", na verdade berrava, viu uma barra de cereal embaixo do banco traseiro do carro, abaixou-se para pegar, demorou um pouco, pois do lado estava o capa do This Is Boston, Not L.A., lembrou-se da menina do elevador, como se já não estivesse pensando nela, mal podia esperar para chegar no prédio e perguntar ao porteiro quem era, não podia se perdoar por ter sido tão idiota. No dia seguinte desceu no mesmo horário, porém sozinha no elevador, foi perguntar para o porteiro, que estava com o jornal do dia na mão, quem era o cara do sexto andar que descera no dia anterior com ela, ele lhe mostrou o jornal e perguntou se era o cara da foto. Por uma fração de segundo ela chegou a inciar um sorriso, que logo se desfez ao ler a machete: Estudante morre em acidente de carro. O dia perdeu as cores, nem o branco restara, o preto absorvera tudo.